03/08/2020

Cordel Brasileiro: Varneci Nascimento

Cordel Brasileiro

Você sabe o que é Cordel Brasileiro?

Para explicar melhor sobre esse gênero literário, o Ela é de Julho realizou uma entrevista com um dos grandes escritores cordelistas, Varneci Nascimento.

Além de ser escritor, cordelista e historiador, Varneci também é considerado um grande disseminador da Literatura Cordelista no Brasil, realizando palestras e divulgando esse gênero nas escolas.

Em nossa entrevista, Varneci nos explica a diferença entre Literatura de Cordel e Cordel Brasileiro, quais as barreiras e preconceitos que sofre o Cordel Brasileiro e como o conhecimento pode ajudar na concretização desse estilo tão único e especial. Além disso, nosso escritor também comenta um pouco sobre suas obras e futuros projetos.

Vamos conferir?

EJ: De forma a iniciarmos melhor o tema, você poderia explicar o que é a Literatura de Cordel e quais suas principais características?
Varneci: Para começo de conversa não chamo mais esse gênero literário de Literatura de Cordel, mas de Cordel Brasileiro. Porque a Literatura de Cordel é portuguesa, porém o Cordel Brasileiro se diferencia daquela literatura produzida em Portugal há muitos anos. Uma definição interessante de forma poética é de se tratar da arte de contar história em verso, no meu entender, isso define essa forma literária brasileira. O Cordel está assentado em várias características entre elas o pilar básico é chamada Tríade cordelística: rima, métrica e oração. Todavia não é só isso ele vai para além desta base, é preciso olhar para versatilidade de escrita complexa de se fazer, requerendo atenção do autor bem como o respeito a esse modo de fazer poesia, levando em consideração a sua aura e tradição. 

EJ: Existe uma estrutura poética padrão para o Cordel? Qual seria?
Varneci: No meu entender não existe uma estrutura poética para o Cordel e sim uma estrutura de estrofação: o poeta ao escrever decide se fará em sextilha, setilha ou decassílabos, decassílabo com dez versos de sete ou dez sílabas poéticas. Estas são as principais modalidades de estrofações as quais escrevemos tudo quanto chamamos de cordel.

EJ: Qual a importância desse gênero literário?
Varneci: O Cordel tem uma importância enorme para a cultura brasileira, todavia ainda não é conhecido como deveria ser, porque no todo de 210 milhões de brasileiros a grande maioria desconhece essa Literatura. Estão privados de se deliciarem com a sua leitura, mas a sua importância na formação cultural é sem dúvida exponencial. Por ter surgido no Nordeste Brasileiro, nesta região o cordel ajudou a formar gerações, influenciou a cultura de um povo, no entanto, no momento histórico vivido por todos nós nem o Nordeste ainda trata-o com a devida importância. Quando se pensa numa coisa característica do Nordeste todo mundo logo pensa no cordel.

EJ: Qual é a sua história com o Cordel? Quais foram/são suas referências?
Varneci: A minha história com o Cordel começou no interior da Bahia com meu pai lendo cordel em nossa casa. Ouvindo aquelas leituras dos romances produzidos pela Editora Luzeiro de São Paulo, fui bebendo nesta fonte, mergulhando para águas mais profundas. A princípio não comecei fazendo cordel, iniciei minha trajetória na cantoria de trabalho, acontecida em minha região nos chamados batalhões, isto se equivaleria a um mutirão. Desde cedo passei a cantar repente com meu pai. O repente dialoga com o Cordel, porém não é a mesma coisa. Depois fui morar em outra cidade para estudar e não tendo com quem cantar dei início à escrita do cordel, assim surgiu à primeira obra intitulada Dom Mário Zanetta pastor amigo irmão. Depois conforme fui tomando conhecimento da grandeza dessa literatura busquei seus grandes autores para transformá-los em minhas referências: Leandro Gomes de Barros, José Camelo de Melo Resende, Manoel D’Almeida Filho, Antônio Teodoro dos Santos, Francisco das Chagas Batista, Desarme Monteiro da Silva, entre tantos outros.

EJ: Quais dificuldades encontradas para inserir a Literatura de Cordel no âmbito escolar e até mesmo nas universidades de Letras?
Varneci: As principais dificuldades para inserir o Cordel no meio escolar é a falta de conhecimento sobre este gênero literário, os professores na sua formação para dar aula, dificilmente ouvem falar no cordel e isto complica depois na falta de preparação para trabalhar com essa literatura dentro da sala de aula. Essas dificuldades serão vencidas quando os cursos de formação dos professores contemplarem o estudo do cordel, assim uma vez superada esta barreira ele entrará no todo da formação dos alunos porque os professores tendo conhecimento dessa literatura, terminará se consolidando como um marco na cultura brasileira e também da educação. Os cursos universitários precisam urgentemente conhecer a grandeza e a potencialidade dessa forma poética se não a formação das futuras professoras e professores continuarão com uma lacuna aberta.

EJ: Na Academia [Brasileira de Letras], você acredita que o cordel é um gênero consolidado? O que precisaria ser feito para quebrar algumas barreiras que o Cordel sofre?
Varneci: No meu entender está consolidado como forma fixa poética, no entanto ainda não tem o respeito merecido, porque vê o Cordel como algo menor, às vezes exótico, o que não é verdade. Tudo isso atribuo única e exclusivamente a falta de conhecimento da própria academia. Ninguém ama algo se o desconhece, por isto sem conhecê-lo é difícil de respeitar e tratar essa literatura como ela merece. Todas as barreiras existentes serão quebradas conforme se aumente o conhecimento da sua grandeza, sem isto é difícil vencê-las. Nós cordelistas continuaremos batalhando para transpormos o mais rapidamente possível porque o Cordel tem muito a oferecer tanto na formação quanto na integração como sociedade, pois estamos sempre em busca de consolidar a nossa identidade cultural.

EJ: No cenário atual, você acha que o cordel está inserido de forma justa em relação a sua importância? Como que poderíamos trabalhar melhor esse gênero?
Varneci: Infelizmente o Cordel ainda não está inserido como de fato tem potencialidade, não existe uma posição justa nem com o Cordel nem com os seus escritores, muitas vezes somos estereotipadas como analfabetos, semianalfabetos, como fazedores de uma literatura de menor valor, desprovida de estética e isso não ajuda em nada para a relação e a sua importância. A única forma de vencer tudo isso é através do conhecimento dessa forma poética fixa, desprendido de paixão, de preconceito e sem medo do Cordel tomar o lugar de ninguém, porque ele quer apenas o lugar merecido por direito.

EJ: Existe preconceito com a literatura de Cordel? 
Varneci: Existe muito e pela terceira vez atribuo unicamente à falta de conhecimento dessa literatura, pois ela semelhante ao conto, ao soneto, ao romance. Então por que existir este preconceito contra o Cordel? Desconhecimento. Às vezes quem julga o Cordel como literatura menor nunca leu nenhum e se leu foi mal, logo não tem autoridade. Temos vários cordéis clássicos da nossa literatura, vendem há mais de cem anos, edições expressivas e milhares de livros de autores medalhões jamais chegaram aos pés na questão da venda como o Pavão Misterioso. O cordel já está consagrado pelo povo e infelizmente não é respeitado pelas instâncias gestoras da educação e da cultura. Os cordelistas ainda terão um grande trabalho pela frente, de quebrar preconceito e vencer todos os obstáculos para que o Cordel tenha o seu lugar junto ao todo da literatura brasileira. Outro preconceito: o cordelista nunca ganha o mesmo cachê do poeta tido como erudito. Isto é outro grande mal a ser vencido.

EJ: Algumas pessoas rotulam o cordel como literatura regional, você acredita nisso?
Varneci: Este é mais um dos rótulos colocado na carga pesada do Cordel, classificá-lo por literatura regional só pelo lugar do seu nascimento. Esse julgamento além de injusto é errôneo, não se julga uma literatura pela região ou pela cidade de seu autor. Sou cordelista, moro em São Paulo há 13 anos, quer dizer que a literatura que eu faço aqui é Regional porque estou em São Paulo? É fato como o Cordel nasceu no nordeste brasileiro na cidade do Recife, com paraibano Leandro Gomes de Barros, contudo por conta deste acontecimento, julgá-la como regional, considero um equívoco de quem faz esse tipo de julgamento. A literatura brasileira deveria abraçar os escritores de cordel como escritores do mesmo Ofício de quem é membro da Academia Brasileira de Letras, trabalham com a palavra, não tem diferença nenhuma entre o trabalho daquele chamado escritor das elites com o daquele vindo do seio das camadas menos favorecidas. É uma injustiça continuar julgando o Cordel menor, classificá-la como literatura nordestina se temos cordelistas em todo o Brasil.

EJ: Na educação, qual a melhoria que você vê em relação ao cordel?
Varneci: A melhoria são as escolas lendo cordel, adotando livros de cordel, estudando-o com os alunos, trabalhando-o como se trabalha a literatura brasileira. Este é o melhor caminho, inseri-lo sem distinção dos demais autores para ser lido e apreciado, ser trabalhado como se trabalha Machado de Assis, Bernardo Guimarães. Precisa apresentar aos alunos a existência desta outra forma de escrever tão bonita quanto as demais e isso tem acontecido em milhares de escolas que adotam o cordel para ser estudado, são passos significativos para vencermos as barreiras dos preconceitos impostas ao cordel brasileiro.

EJ: Qual conselho você daria para quem quer ser cordelista?
Varneci: O principal conselho é este: estude e cordel, leia-o, almoce-o, jante-o porque quem quer ser cordelista sem ser um bom leitor trilha um caminho no mínimo equivocado. A dica para se escrever é ler os clássicos do cordel, pois conforme você vai lendo se familiariza, internaliza no seu coração e na mente e o Cordel vai ficando raízes. É como uma planta, você precisa regar. Não basta rimar duas, três palavras para se dizer cordelista, é o fazer poético diário respeitando as suas nuances que formará a boa ou bom cordelista. Todo autor, respeitador de seu trabalho, buscará sempre o melhor para a sua produção. Sem primar por essa busca é impossível ser exímio cordelista.

EJ: Com as inovações tecnológicas e as adaptações dos meios de comunicação, que estão fazendo com que a literatura se adapte, você acredita que o Cordel vai perder algum espaço ou isso tudo vem para melhorar?
Varneci: Essas questões de inovações sempre prometeram acabar com o Cordel e ao contrário ele se aliou com todas elas e se tornou um companheiro inseparável. Muitos pregaram que o jornal mataria o cordel, contudo o jornal começou a botar em suas páginas estrofes de cordel. Quando surgiu o rádio o escolheram como assassino do cordel brasileiro. O rádio passou a beber na sua fonte profícua. Do mesmo modo foi com a televisão, sobraram profetas agourentos decretando a sua morte, ninguém nunca mais veria um cordel, porque não trocariam a televisão pelo folheto rústico, no entanto vimos à televisão por diversas vezes abraçar-se a tradição cordelística e fazer produções de sucesso. Com a internet alegaram que esta força mundial enterraria de vez o poderio literário do cordel, mas com o passar dos anos temos visto seus poetas usarem de maneira espantosa a rede mundial de computadores, tendo suas páginas, seus blogs, suas redes sociais para dialogar com seus leitores e transformarem a internet numa grande aliada para disseminação do cordel brasileiro. A tecnologia jamais assustará o Cordel ele sabe dialogar com todas as novidades que batem à sua porta

EJ: Você fez um cordel com Isaías Eduardo Santa Rosa, chamado Diálogo De Santa Rosa Com Varneci Pelo WhatsApp. Literalmente foi uma conversa ou vocês planejaram fazer o livro?
Varneci: Este livro nasceu sem nenhum planejamento em 2016 quando fui a Natal, no Rio Grande do Norte participar do Círculo Natalense do Cordel. Lá conheci o poeta Santa Rosa, trocamos contatos e começamos a conversar pelo WhatsApp. De Natal fui a João Pessoa e de João Pessoa a Guarabira, no interior do estado, onde tive a oportunidade de cursar história na Universidade Estadual da Paraíba. Nesta cidade visitando um museu tirei uma foto e mandei para o poeta Santa Rosa com uma descrição em sextilha, imediatamente ele me respondeu com outra sextilha. Desde novembro de 2016 passamos a conversar pelo WhatsApp em versos por durante 1 ano e cinco meses. Em maio de 2018 tínhamos escrito mais de 400 estrofes. Vendo deste tanto de estrofes escritas sobre os mais variados assuntos surgiu a ideia de transformar aquilo tudo em livro, acho que talvez seja o primeiro livro dialogado através do WhatsApp e fizemos questão de manter na publicação o dia, o horário e o ano para as pessoas perceberem como foi tudo em tempo real, como não é coisa montada. O papo fluiu naturalmente numa prova de que essa literatura não teme em dialogar com o novo. Fazendo uso de um aplicativo para se escrever um livro com mais de 100 páginas. Isto prova a magnitude do cordel brasileiro.

EJ: Cordel é sempre atual, ele também fala muito sobre questões importantes da nossa sociedade. Você fez o livro "O encontro dos diferentes" que fala sobre o preconceito. Conte um pouco para nós sobre ele, como surgiu a ideia?
Varneci: O Encontro dos Diferentes é um livro realmente diferente, porque é escrito a partir das formas geométricas, dialoga com a sociedade mostrando como é possível viver com igualdade, apesar das diferenças, nele usei as formas geométricas para falar de preconceito, igualdade e respeito. São três crianças chamadas Circídio, Tritídio e Quatrídio numa alusão as formas geométricas, eles vão dialogando entre si e percebendo como as diferenças não impediam de ter um bom relacionamento, de conviverem, de serem amigas. O diferencial deste livro é isto, nos possibilita a percepção do quanto somos iguais, independentemente daquilo que façamos, sejamos ou deixamos de ser. A igualdade, o respeito cabem em todo lugar e neste livro percebo essa possibilidade de diálogo interessante. Assim as pessoas, ao invés de se dispersarem, se aproximem independente da diferença, ela deve ser um fator de aproximação. Este livro O Encontro dos diferentes nos oferece esta possibilidade.

EJ: Quais são seus próximos projetos?
Varneci: Os próximos projetos inclui a escrita em prosa, está na hora de começar a trilhar por este caminho, pois gosto de escrever sobre tudo e nem sempre escrevo em cordel. Estou pensando em me arriscar em um livro em prosa para alargar ainda mais os horizontes. Outro livro no prelo é o Dom Casmurro de Machado de Assis, fiz a versão em cordel e será publicado pela Nova Alexandria. Tem mais dois livros sobre política e preconceito, temas muito caros a minha produção, pois são dois assuntos importantes os quais devem ser constantemente tratados por quem sonha com um mundo mais justo e fraterno, devemos buscar um mundo mais político e menos preconceituoso.

Depois dessa aula incrível, agradecemos muito ao Varneci por essa entrevista incrível!

E você, leitor? Já escolheu seu cordel favorito?

Para te ajudar, segue a lista das obras do Varneci Nascimento: 

1 – 12 Conselhos para um infarto feliz
2 – A Greve da Morte
3 – A história de Joãozinho
4 – Joãozinho na escola
5 – As traquinagens de Joãozinho
6 – A Morte e a Justiça
7 – O legado de Chico Mendes
8 – Alma Mercenária
9 – Cangaço um Movimento Social
10 – Dez Mandamentos do Preguiçoso
11 – Homossexualidade: História e Luta
12 – No ônibus cheio é assim
13 – João Paulo II: O Papa da Paz
14 – Mulher Encalhada
15 – O amigo e o suicídio
16 – O Cangaço sustentado pelos coronéis
17 – Peleja de Aloncio com Dezinho
18 – Perfil do Político Brasileiro
19 – Iniciação sexual na zona rural
20 – Qual o seu tipo de chefe?
21 – Serviço Social 30 anos da Virada
22 – Um Corno pra cada dia do mês
23 – Você fica ou namora?
24 – A justiça e a defesa
25 – A primeira vez
26 – Percepções sobre o mundo
27 – A saga do nordestino em São Paulo
28 – A Mãe Abandonada
29 – O cordel da Hemorróida
30 – Visita de Lampião a frei Damião no céu
31 – Pergunta Idiota, Tolerância Zero
32 – Pergunta Idiota, Tolerância Zero, vol. 2

CORDÉIS DE 32 PÁGINAS
1 – O Jovem Encarcerado e o cordel Encantado
2 – O martírio de uma mãe pelo filho drogado
3 – Visita de Lampião a Padre Cícero no Céu
4 – A besta do apocalipse e o amor de Agripino
5 – Simeão e Madalena entre o sangue e o desejo
6 – O Massacre de Canudos
7 – A peleja: Alzheimer versus Juízo
8 – O raio x do cordel
9 – A difícil vida fácil
10 – As mulheres no cangaço
11 – As palhaçadas de Zé Arigó
12 – Os Exemplos de Jonas e Eleazar - Histórias Bíblicas

 LIVROS DE CORDÉIS
1 – A escrava Isaura em cordel
2 – Memórias Póstumas de Brás Cubas
3 – Branca de Neve em cordel
4 – O Pequeno Polegar
5 – O massacre de Canudos (para adquirir clique aqui)
6 – Áudiolivro Cordéis divertidos
7 – Para refletir e gargalhar
8 – Dialogo de Santa Rosa com Varneci Pelo WhatsApp
9 – O encontro dos diferentes (para comprar clique aqui)


Siga ele no instagram: @varnecicorde

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